O Instituto Nacional de Música foi um cenário bastante citado para as vivências musicais de Glauco Velásquez enquanto aluno e compositor. Neste texto valerá, então, conhecer a história centenária da instituição e o peso que teve no Brasil durante sua existência.
Sua tradição vem de longa data imbuída pela entrada da corte portuguesa no Brasil e, com ela, o reforço da tradição do ensino musical. Desde o início do século XIX, por volta de 1830 quando D. João VI instala-se no Rio de Janeiro e com ele a entrada de diversos artistas, traz a iniciativa da criação de uma instituição ligada ao Império.
A trajetória, da instituição é repleta de mudanças de nome, de direção e de conexões. Assim, vamos adentrar uma história ligada naturalmente aos eventos políticos no Brasil.
A fase imperial
Segundo Luiz Heitor (2016), a ideia de uma Instituição de peso e tradição para o ensino de música demora sete anos para se consolidar. Tal intenção partiu da Sociedade Musical Beneficente, cuja função era amparar os músicos associados a corte. Obtivemos um processo longo para esta empreitada:
"Em 1841 foi o projeto debatido na Assembleia Geral Legislativa do Império, sendo aprovado e convertido em lei [...] pelo prazo de oito anos, em benefício do Futuro estabelecimento" (HEITOR, 2016, p.54-55).
As questões institucionais e burocráticas determinadas pelo governo fizeram com que o processo de criação do conservatório fosse bastante lento e penoso. Foram necessárias diversas etapas:
"Sete anos se passaram, entretanto, antes que a projetada instituição lograsse converter-se em realidade. [...] [S]ó em 1947 é que o governo nomeou a Comissão Administrativa encarregada de organizar e gerir o Conservatório (HEITOR, 2016, p.55)".
A comissão reunida continha nomes importantes para a música ligada ao Império e contava com "Francisco Manuel da Silva (1795-1875), presidente, padre Manuel Alves Carneiro, tesoureiro, e Francisco da Mota, secretário (HEITOR, 2016, p.55)".
Para consolidar este processo foi necessário eleger as instalações para que fosse possível a criação do conservatório. As primeiras aulas aconteceram no salão do Museu Nacional inaugurada em 13 de agosto de 1848 nomeado como Conservatório Imperial de Música por Francisco Manuel da Silva (HEITOR, 2016, p.55). Em relatos de Luiz Heitor (2016) consta que a instituição começou suas atividades com seis professores. Eram 5 cadeiras oferecidas:
"1) Princípios de Música; 2) Canto; 3) Instrumentos de corda; 4) Instrumentos de sopro; 5) Contraponto; Princípios de Música e canto para moças [...]".
Curiosamente as matérias eram separadas para profissionais da música como concertistas, professores e músicos intérpretes, que em maioria eram homens e a educação musical dedicada para as mulheres. A título de curiosidade, as mulheres não possuíam liberdade para exercer determinadas atividades fora do lar (o que daria um texto inteiro sobre isso). É vista, no entanto, a existência de uma divisão clara de gênero entre as maneiras de ensinar e fazer música já desde o Império (VERMES, 2014).
Ampliações no Conservatório
Anos mais tarde, em 1855, o Conservatório foi ampliado. Foi criado um regime de admissão através de concurso "criando um pensionato na Europa para alunos distintos (HEITOR, 2016)". Consolidada a instituição outros professores foram admitidos:
"O Conservatório passa a ser a 5ª Seção da Academia de Belas-Artes, tendo Francisco Manuel da Silva como diretor e o seguinte corpo docente: Francisco Manuel da Silva (Rudimentos da Música, solfejo e noções gerais de canto para o sexo feminino), Joacquim Gianini (Regras de Acompanhar e órgão), Dionísio Vega (Rudimentos de música, solfejo e noções gerais de canto para o sexo masculino, João Scaramelli (flauta e outros instrumentos de sopro), Demétrio Rivera (violino e viola), José Martini (violoncelo e contrabaixo) (HEITOR, 2016, p.56)".
Mantem-se a separação da educação musical entre os sexos, mas a variedade de aulas de instrumentos disponível é ampliada. Foi mantido também um corpo docente inteiramente masculino, uma vez que, como mencionado anteriormente, não era permitido às mulheres a prática musical profissional igualitária. A maior parte de sua atuação era doméstica, salvo algumas exceções.
Nesta fase, o conservatório possuía olhares para a cultura europeia voltados para a ópera. Enquanto movimento que regia o estilo de música do Império, a corte portuguesa era movida aos moldes italianos. Instaurou-se a moda do piano e do bel canto enquanto ingredientes que se relacionavam diretamente com o movimento operístico no Brasil (CARNEIRO; NEVES, 2002).
Também neste período possuía-se no Brasil um representante neste estilo. Um compositor que obteve grande êxito na Europa e era o porta voz do estilo italiano Carlos Gomes. Cujo estilo acabou criando a versão brasileira de ópera no período.
O Conservatório que vira Instituto
Com uma vida próspera, transformações políticas levaram o conservatório a mudar suas conduções para aliar-se ao novo regime: a república. Com a instauração da república em 1889 mudaram-se os princípios políticos que regiam a instituição e, com isso, foi modificado seu nome e sua administração. Aqueles que antes foram envolvidos com o conservatório perderam lugar para o novo pensamento político e os olhares para o futuro.
A república, segundo Angela Marques da Costa e Lília Moritz Schuarcz (2000), no livro 1890-1914: No tempo das incertezas, era aliada a uma nova visão de futuro e, de certo modo, o advento da tecnologia. Apesar de não imaginarmos, o fim do século XIX foi marcado pelas novas esperanças causadas pelas experiências e invenções na ciência (o que pode trazer um novo posto sobre isso).
De outro modo, na música não era diferente, Maria Alice Volpe (2000), explica uma explosão da entrada da música alemã no Brasil, o advento do poema sinfônico como aliado da música e a simbologia do futuro a ele associado. As várias mudanças foram responsáveis por levar o conservatório a tornar-se Instituto que seria uma instituição ligada ao progresso na música feita naquele tempo na capital, o Rio de Janeiro.
A fundação do Instituto Nacional de Música
O Instituto Nacional de Música foi fundado em 1890 por Leopoldo Miguêz, Alfredo Bevilacqua e José Rodrigues Barbosa. O processo ocorreu um ano depois da instauração da república, ou seja, era necessária a consolidação da nova tez política no Brasil. Luiz Heitor (2016), relata:
"...uma das primeiras tarefas administrativas que os novos governantes enfrentaram foi a reforma do antigo Conservatório de Música, então dependente da Academia de Belas-Artes; reforma que já vinha sendo estudada e estava prestes a ser decretada pelo último gabinete do Império, o do visconde de Ouro Preto. Uma comissão, de que faziam parte Leopoldo Miguéz, Alfredo Bevilacqua e José Rodrigues Barbosa, foi constituída para estudar o assunto, e a 12 de janeiro de 1890 um decreto extinguia o velho Conservatório, criando em seu lugar, o Instituto Nacional de Música [...]".
Leopoldo Miguêz (1850-1902) foi seu primeiro diretor. Luiz Heitor (2016), através da citação de um trecho do regulamento do Instituto, ressalta que a instituição “...destina[va]-se a formar instrumentistas, cantores e professores de música ...” (HEITOR, 2016, p.102-103).
A organização do novo Instituto conta com moldes dos conservatórios europeus. Leopoldo Miguéz, que estudara na Europa, possuía no Velho Continente especificamente na Alemanha o exemplo. Luiz Heitor (2016) aponta que Miguéz se manifestou sobre a organização do antigo Conservatório comparando-o com os moldes europeus de ensino. O compositor, então diretor do Instituto, desejava igualar-se a educação musical germânica.
Quanto ao corpo docente, há relatos de Luiz Heitor relacionados às concepções de Leopoldo Miguéz sobre o quadro. A reverência e a insatisfação levaram Miguéz a comparações:
"Desde sua fundação transformado o velho conservatório num novo instituto, para os quais foram transferidos todos os bens daquele, sendo dispensados, entretanto, os serviços de muitos velhos professores que Leopoldo Miguéz considerava insuficientes para o ensino [...]".
Ainda na direção do Instituto Leopoldo Miguéz falece em 1902 e no ano seguinte Henrique Oswald (1852-1931) é chamado para substituí-lo como diretor.
Entre idas e vindas
Se Miguéz já sofreu com as queixas da imprensa a respeito de suas reformas no novo instituto, Henrique Oswald sofreu ainda mais. Durante seu período no posto, Oswald foi considerado um intruso, por conta de sua estadia em grande parte da vida na Europa. A respeito do período de Oswald na direção no cargo, José Eduardo Martins (1995), afirma que tal missão foi bastante atribulada para Henrique Oswald:
“Dificuldades de relacionamento com a burocracia institucionalizada, [e a] impossibilidade de poder aplicar no Instituto a experiência adquirida nos trinta e cinco anos vividos em ambiente musical europeu (...). Na principal instituição de ensino musical [no Rio de Janeiro do início do século XX], fervilhavam a intriga e a sistemática luta pelo poder. Nos bastidores, funcionários e docentes disputavam privilégios. (...) A deterioração do relacionamento diretor-corpo docente-funcionários dá-se com rapidez (MARTINS, 1995, p.76-77)”.
Assim, sua autoridade se dissolve aos poucos e o compositor sai do cargo em 1906. A saída de Oswald traz de volta Nepomuceno que passa 10 anos na direção do Instituo até 1916 (HEITOR, 2016, p.138-147). Nesse período, a instituição muda de lugar: "...foi abandonado o prédio da rua Luís de Camões, mudando-se para a rua do Passeio, no local onde se levantava o edifício da Biblioteca Nacional (HEITOR, 2016)". Fato este, ocorrido em 1913. De Luiz Heitor (2016) são os relatos do fim da administração de Alberto Nepomuceno:
"A anulação arbitrária, por parte do governo, de um concurso para professor do Instituto Nacional de Música, que ele [Alberto Nepomuceno] presidira, [...] motivou o seu pedido de demissão".
Dentre as inúmeras mudanças nas instalações do prédio do Instituto, em 1922, durante a administração do compositor Abdon Milanez (1858-1927), o Instituto ganha uma sala anexa, cujo nome foi denominado Sala Leopoldo Miguéz.
Em 1937, o nome de Instituto Nacional de Música foi mudado para Escola Nacional de Música, quando a Universidade do Rio de Janeiro passa a chamar-se Universidade do Brasil. Em 1965, durante o Governo Militar, a Universidade do Brasil torna-se Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Escola Nacional de Música passa a ser chamada de Escola de Música da UFRJ como é hoje conhecida.
Ainda hoje o prédio existe, mesmo com as inúmeras reformas sofridas ao longo do tempo. De certo modo, o prédio da Escola de Música da UFRJ carrega os ares dos inúmeros nome ovacionados na história da música brasileira. Seu saguão, por exemplo, possui o piso onde pisou muitos de seus ilustres alunos. Nesse prédio também se encontra todo o acervo de manuscritos e demais documentos não só sobre Glauco Velásquez como outros compositores como José Siqueira, H. Villa-Lobos, entre outros.
Referências
CARNEIRO, Maria Cecília Ribas; NEVES, José Maria, Glauco Velásquez, Coleção Academia Brasileira de Música, Vol.1, Rio de Janeiro: Enelivros. 2002.
COSTA, Angela Marques da. SCHWARCS, Lilia Moritz. 1890-1914: No tempo das Incertezas - Virando Séculos. São Paulo: Companhia das Letras. 2000.
HEITOR, Luiz. 150 anos de música no Brasil (1800 – 1950). Rio de Janeiro. Editora Fundação Biblioteca Nacional. 2016.
Imagem de Abdon Milanez. Disponível em: https://www.paraibacriativa.com.br/artista/abdon-felinto-milanez/
Imagem do Conservatório Imperial de Música. Disponível em: http://musica.ufrj.br/index.php?option=com_content&view=article&id=45&Itemid=64
Imagem de Francisco Manuel da Silva: Disponível em: http://www.abmusica.org.br/academico/francisco-manoel-da-silva/
Imagem de Leopoldo Miguéz. Disponível em: https://musicabrasilis.org.br/compositores/leopoldo-miguez
O Instituto Nacional de Música. Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.153/4659.
MARTINS, José Eduardo. Henrique Oswald: Músico de uma saga romântica. São Paulo. EDUSP. 1995.
VERMES, Monica, As mulheres como eixo de difusão musical no Rio de Janeiro da Belle Epoque, Anais do 7º encontro Internacional de Música e Mídia, PPGA, PPGL, DTAM, UFES, p.86, 2014.
VOLPE, Maria Alice. Indianismo and landscape in the Brazilian age of progress: art music from Carlos Gomes to Villa-Lobos, 1870s - 1930s. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ. 2001.
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