No início da pesquisa chamou a atenção a quantidade de informações dedicadas a Eduardo Medina Ribas. De modo algum devemos desprezar a importância deste músico, mas ele - por ter morrido antes de Glauco Velásquez nascer -, não participou em nada na vida do compositor (CARNEIRO, NEVES, 2002). No entanto, é possível observar que os livros, que contém os dados considerados ponto de partida para a biografia de Glauco Velásquez, dedicam importância a este músico. Os autores como Kiefer (1976) em seu História da Música Brasileira, Neves (1970) em seu Música Contemporânea Brasileira, Almeida (1956) em seu História da Música Brasileira, Heitor (2016) em 150 Anos de Música no Brasil e até o livro biográfico-historiográfico de Maria Cecília Ribas Carneiro e José Maria Neves (2002), Glauco Velásquez, tratam Medina Ribas com mais relevância que Adelina A. Luz.
Ribas aparece ligado a Glauco Velásquez citado em primeiro lugar com uma grande disposição de dados e ovações. Adelina Alambary Luz, cujas histórias já foram contadas neste site, é citada ocasionalmente com ênfase no escândalo de sua gravidez (principalmente depois que foram esclarecidos os fatos sobre o nascimento de Glauco Velásquez).
Sua biografia para a pesquisa sob o título "Aspectos estéticos e estilísticos das Sonatas de Glauco Velásquez" encerrada recentemente, foi montada com pequenos indícios mostrados nesses livros. Somado a isso, foram usados diversos outros dados coletados no acervo de documentos do acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ. Também artigos como o de Moraes Junior e Verzoni (2014), sob o título A Sociedade Glauco Velásquez e sua história no Rio de Janeiro foram fundamentais para a construção de sua biografia.
Quando observei esta diferença de importância dada a ambos os personagens, o o pai e a mãe de Glauco Velásquez, o protagonistas de uma história bastante controversa e cheia de idas e vindas, questionei e me intriguei.
Por que será que Adelina Alambary foi destituída de sua importância aparecendo nas palavras desses diversos autores? Por que será que, embora alguns deles fossem contemporâneos de Glauco Velásquez e Adelina, como Luiz Heitor segundo informações de José Maria Neves (2002), a ela foi dedicada apenas algumas frases e comentários curtos?
A resposta, embora devesse ser embasada em conceitos sobre feminismo e machismo, é simples. Porque todas histórias sobre Glauco Velásquez não foram aprofundadas por uma ótica feminista. Porque o feminismo é necessário para contestar o machismo e a ausência de importância dada às mulheres que sempre, principalmente em posição de poder, são apagadas pela conduta dos homens que se impõem sobre essas mesmas mulheres (FOLLADOR, 2009; FREIRE; PORTELA, 2010). Porque também quem contou a maioria das histórias sobre Glauco Velásquez e seus pais foram os homens.
Escolher o aprofundamento em primeira instância na vida de Adelina foi uma questão de justiça. Também afirmo que foi uma questão de importância, uma vez que esta senhora teve um papel imensurável para a vida e obra de Glauco Velásquez. Depois da pesquisa a pouco consolidada e os aprofundamentos possíveis, graças a Adelina e os muitos documentos deixados no antigo Instituto Nacional de Música, não será possível tratar de Glauco Velásquez sem estar a ela vinculado.
Mesmo que a ela estejam ligados os escândalos do nascimento do compositor, sua importância coloca-a além de tais fatos. Ela deve ser conhecida pela sua aptidão de trabalhar sobre uma partitura como uma exímia copista, cuja caligrafia possuía um capricho inestimável.
De fato, Adelina conseguiu, ainda que pouco, ser lembrada e mencionada por conta de sua condição social. Também de fato, Glauco Velásquez foi visto com importância por conta de sua ligação com Adelina Alambary. Em cooperação com sua mãe contam outras pessoas de seu círculo, que também possuem tal condição social. Famílias ricas e poderosas no Rio de Janeiro do início do século XX contaram suas histórias nos jornais e revistas da época como sinal da manutenção de seus próprios privilégios.
De certo modo, a história de Adelina Alambary Luz e de Glauco Velásquez é definidora de seu lugar na sociedade do início de século XX, marcada por sua raça, classe e manutenção de poder.
Referências
ALMEIDA, Renato. História da Música Brasileira. F. Briquiet & Comp, 1926.
AZEVEDO, Luiz Heitor. 150 anos de música no Brasil: 1800 – 1950. Instituto nacional do Livro, Rio de Janeiro, 2016.
CARNEIRO, Maria Cecília Ribas, NEVES, José Maria, Glauco Velásquez, Coleção Academia Brasileira de Música, editora Enelivros, Vol.1, 2002.
FOLLADOR, Kellen Jacobsen. A mulher na visão do patriarcado brasileiro: uma herança ocidental. Revista Fato & Versões. N.2. Vol.1. p.3-16. 2009
FREIRE, Vanda Lima Bellard. PORTELA, Angela Celis H. Mulheres pianistas e compositoras, em salões e teatros do Rio de Janeiro (1870 - 1930). UFRJ. 2010.
MORAES JUNIOR, Jaime Ninice de; VERZONI, Marcelo. A Sociedade Glauco Velásquez (1914-1918) e sua história musical no Rio de Janeiro. Anais do 13º Colóquio de Pesquisa do PPGM da UFRJ. 2014.
NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. 2ª Ed. Ed. Contra Capa Livraria. 2008.
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