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Foto do escritorAgata Christie

O escândalo apagado pelo tempo


Como parte do banco de dados quanto às diversas publicações no Jornal do Commercio, na década de 1960 os mistérios diante da biografia controversa de Glauco Velásquez foram questionados e colocados à prova. Nesse artigo o autor começa o texto incluindo-o junto ao grupo de mais promissores compositores cariocas, destacando sua tão misteriosa concepção. A partir de um sentimento de justiça, e por acreditar que o compositor morrera em melancolia, através deste texto deseja-lhe trazer os louros que, segundo Salema (1961) Glauco Velásquez deixara de ter por sua morte prematura. Salema destaca os dados que naquela época não possuíam confirmação, eram suposições. Além disso, aponta também o preconceito existente da alta sociedade carioca do início do século para com artistas:

“Ele era filho (dizem) do Barítono português Eduardo Medina Ribas e, segundo Vicente Cernichiaro e outros historiadores, de uma jovem senhora brasileira, supondo-me, que essa jovem era de descendência nobre, ou de família abastada. (...) o que na época era um escândalo e nem era admissível que uma jovem, ou mesmo, senhora da sociedade, pudesse ter qualquer intimidade com um músico (...). Qualquer pessoa de mediana cultura sabe que julgamento que se fazia a respeito de ‘gente de teatro’ (SALEMA, Jornal do Commercio, 1961)”.

A seguir, Salema destaca a aproximação de famílias da alta sociedade carioca dos artistas com o advento da entrada da ópera e da Imperial Academia de Música, fazendo com que artistas diversos lecionassem sua arte. Isso justifica a aproximação de dona Adelina a respeito do barítono que fora seu professor.

Além da explanação sobre o cenário sobre o envolvimento de Adelina para com Eduardo, o autor questiona como Velásquez teria um nome espanhol. Questiona também como sua mãe fora para a Itália se não existia então notícia a este respeito. A partir de tantas indagações até mesmo questiona porque seu pai, Eduardo Medina Ribas, não registrou seu filho na embaixada portuguesa na Itália.

Salema alega ter encontrado em certa ocasião João Alfredo Gomes (1), que fora então seu colega de trabalho no Instituto Nacional de Música por volta de 1927, e naquela ocasião questionou o amigo sobre tais mistérios. Salema aponta as palavras de J. A. Gomes:

“Você quer saber muita coisa (...). Glauco sofria angustiosamente por causa desse mistério e você também está sentindo, mas nem tudo posso dizer. Só mais tarde vim a saber alguma coisa que eu não direi porque é segredo.”

Anos mais tarde, o autor cercou Gomes com tais apontamentos, mas o mesmo não aceitou pronunciar-se, devido a considerar aquele um assunto um assunto que não lhe dizia respeito. A partir de tantas dúvidas o autor alega que não acredita que Velásquez tenha nascido em Nápoles, visto suas primeiras conclusões em 1927. Daí em diante segue a dizer:


“...embora digam que ele nasceu em Nápoles, eu não acredito. (...) não posso calar diante do sofrimento desse compositor que nasceu nesta maravilhosa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, e foi levado escondido para Nápoles”.

Diante de tantas obscuridades, como o próprio autor questiona, há o levantamento de argumentações de como Glauco menino, 7, 8 ou 9 anos de idade fora parar num lar de Meninos Desvalidos. Salema argumenta que aquele menino era protegido por diversas pessoas. Cita o Dr. Azevedo Pinheiro, que em muitas bibliografias e inclusive no livro de Carneiro e Neves (2002), foi o responsável por trazê-lo para o Brasil. Pode-se afirmar que, isso pode ter ocorrido supostamente, com consentimento de sua mãe dona Adelina Alambary Luz.

Em relação a outras questões, Salema (1961) pergunta onde estaria Eduardo, o pai em segredo, no ano de nascimento do menino Glauco. Indaga ainda se este estivera no Brasil no nascimento de Velásquez. E outra coisa, questiona se não fora ele, com a desculpa de uma turnê internacional, quem levara o menino para Nápoles para ser registrado no consulado brasileiro. O autor alega que tal sofrimento, o de desconhecimento de sua origem, deixara Velásquez numa vida além morte cheia de angústia. Salema afirma:

“...o seu sofrimento perdura além de sua morte, como um corolário aos tormentos que padeceu em vida – Até ao presente momento não fizeram justiça ao seu valor”.

Diante de tantos mistérios, Salema enumera de maneira bastante concisa cada personalidade que esteve em contato ao longo da vida de Glauco Velásquez. Isso comprova que, apesar do seu status de órfão, o compositor tinha certo apoio de pessoas muito importantes da sociedade carioca proporcionando evidências sociais e relações com o estimado filho secreto de dona Adelina Alambary Luz. A partir disso o autor ressalta:

“O conforto que encontrou na amizade sincera e desinteressa de Paulina D’Ambrósio e Luciano Gallet, na patriarcal dedicação do maestro Francisco Braga, na Admiração da pianista Thilda Aschoff, no patrocínio do Dr. Azevedo Pinheiro e desvelo da Sra. Adelina Alambary Luz, não bastaram para suplantar o vazio que lhe corria a alma provocado pelo amargor da dúvida (...)”.

Diante de tantas incertezas, Salema propõe as divergências entre os dados biográficos disseminados por musicólogos que propagaram informações precipitadas no início do século XX. Sublinha os problemas encontrados nas principais bibliografias de contemporâneos que possuem diferenças em dados cruciais:


“Cernichiaro diz que ele nasceu em 23 de março de 1883, enquanto que Luiz Heitor, Renato Almeida e Vasco Mariz dão-lhe o ano de nascimento em 1884 – Uns que ele veio para o Rio de Janeiro com 7 anos, outros, com 8 e 9, da mesma forma, que ele morreu em 1915 e, outros em 1914. Todos, porém, fazem uma ‘conta de chegar’ para dizerem que ele faleceu com 30 anos de idade”.

Além das informações sobre nascimento, o autor questiona a idade com a qual Cernichiaro diz que Velásquez matriculou-se no Instituo Nacional de Música. Mais a diante destaca as tendências do compositor e delineia bem suas inclinações musicais:


“(...) ele estudou profundamente música, pelo menos com os dois melhores professores daquela época e o que produzia era fruto de um trabalho sério dentro de uma escola diferente, ou melhor, de um pensamento moderno, tendo como paradigmas Wagner, Debussy e Cesar Franck”.

Salema relembra que o compositor, ao estrear suas obras, foi criticado por muitos e defendeu-se. Para confirmar suas afirmações a respeito de Glauco Velásquez e sua genialidade inovadora destaca as palavras de Rodrigues Barbosa que fora um crítico bastante conhecido e defensor da obra de Velásquez em meados de 1911:

“Nunca se lhe afigurava possível existir no Rio de Janeiro, ignorado até então, um compositor da estatura de Glauco Velásquez. Era um gênio na acepção integral e mais rigorosa das palavras”.

A diante destaca as palavras do compositor francês Xavier Leroux publicadas no livro de Luiz Heitor Música e Músicos do Brasil:


“Essa música feita mais com o despedaçar do coração e com a proteção da alma do que com as notas meticulosamente dispostas, comove profundamente. Enquanto houver sobre a terra seres que tenham gemido sob o peso da dor, estremecido de esperança, consumido a alma ao fogo da paixão, haverá para a música de Glauco Velásquez, ouvintes que gemerão, estremecerão e se exaltarão com ele”.

Salema destaca a data de morte de Glauco Velásquez, mas com o mês diferente, quando coloca que o compositor morre em Agosto, mas na maioria dos livros e trabalhos sobre o compositor sua morte se dá no mês de junho. Depois do acontecido, o autor relata a chegada de Darius Milhaud no Rio de Janeiro. Diante disso, relata o quão próximo Milhaud tornou-se de tal obra chegando até a apresenta-las em Paris. Até aí, ele relata também que o compositor francês termina o Trio IV inacabado de Glauco Velásquez de tanto que surpreendeu-se com tal composição.

O autor descreve as circunstâncias da morte de Glauco Velásquez rodeado de amigos e admiradores e discute também a localidade onde Velásquez morreu. Ele destaca que ele faleceu no Rio de Janeiro numa casa vizinha ao Lar dos Meninos Desvalidos. Conta a história do palacete em Paquetá e faz considerações sobre sua nova utilização naqueles tempos de 1961. Mais além, muda de assunto ao destacar o mistério que envolveu o insucesso da sociedade em seu nome de conseguir verba através do governo para publicação de suas obras. Supõe que essa inciativa vencida, pode ter ocorrido devido aos mistérios envoltos em suas origens, e mais a diante, discute outros motivos que poderiam ser a causa desta derrota diante de tão nobres intenções.

O artigo termina com o autor a declarar suas dúvidas acerca dos mistérios das origens de Glauco Velásquez. Salema alega que o compositor deva ter sido carioca e não napolitano como muitos acreditaram naquela ocasião.






Notas

(1) João Alfredo Gomes, segundo José Maria Neves (2002) foi violoncelista colaborador durante os últimos anos da vida de Glauco Velásquez e durante a Sociedade Glauco Velásquez.

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